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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Hoje a noite não tem jazz



Ele chegou ao lugar aonde ia todas as noites. Um lugar estranho. O cheiro misturava-se a cigarros, bebidas e mulheres. Sentou-se, pediu uma bebida e acendeu um charuto. Observou uma dançarina no palco. Paquerou outra que passava.
Aquela noite era de música. As outras foram de dança e karaokês, aqueles com sons antigos. Mas aquela não, aquela noite seria de boa música. O melhor grupo de jazz da cidade (no qual ele participava, tocando jazz) faria uma apresentação ali, naquele bar imundo e nojento.
Meia noite; o lugar lotado. Calmo, mas lotado. Instrumentos no palco. A iluminação baixa, obscura, o ambiente tinha cara de transformado: aquela plataforma repugnante em que ele entrara, agora estava de um jeito totalmente diferente, tinha seu estilo. Ele começou a tocar, e os músicos o acompanharam. O som invadiu o local. O jazz era sua paixao; quando ele tocava, seu corpo estremecia (toda paixão que se preze de fato, é dessa forma), suas mãos suavam e os sapatos pareciam mais apertados. De cima do palco, ele observava tudo. Via as moças dançando, casais de namorados juntos em perfeita harmonia.
A noite passou. Três horas da madrugada ele recolhia o seu saxofone. O garçom empilhava as mesas. Despediu-se de todos e saiu beco a fora na escuridão da alta madrugada. Era um homem observador, calado. Iria para casa, onde só o escuro e a solidão o esperavam ali.
Começou a ouvir passos que não eram os seus. Parou. Olhou. Ninguém na rua. As casas com luzes apagadas, nenhum rato ou cão vasculhando as lixeiras. Será que aqueles passos eram paranóia? Continuou a andar e os passos se foram. O silêncio reinava.
Chegou à sua casa, tudo sujo. Não, não poderíamos chamar aquilo de casa. Ele morava num quarto, num banheiro e numa pequena cozinha. No chão, poemas dedicados à solidão.
Em cima da mesa, músicas dedicadas às mulheres daquele mesmo bar sujo. Em um canto, um espaço vazio onde guardava o saxofone.
Sentou-se na cama, tirou os sapatos e desabotoou a camisa. Estava cansado. Cansado fisicamente e emocionalmente. Cansado da vida, da solidão, do bar, das mulheres, da falta de amor, de tudo. Naquele dia não ousou nem tomar uma ducha, o cansaço o vencera. Mas ele ainda teve forças para tocar uma das suas composições e conseguiu tocar, por fim, aquela tão esperada melodia que levou meses para desabrochar e infinitas horas para ser tocada. Deitou-se e logo dormiu. Sonhou a noite toda. Sonhou com uma família, com filhos e com suas músicas. Talvez fosse um homem egoísta. Seu sonho foi bom, era a mesma sensação que tinha quando tocava.
Queria que sua vida fosse assim.
Ele nunca mais sonhou, tocou ou compôs. Aquela foi sua última noite e sua última canção. Mas e o dia seguinte? O dia seguinte, meu caro, não teve jazz.
Bárbara Abreu
aluna da Oficina Palavra Mágica
de Leitura e Escrita

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